O erudito historiador da Academia
Francesa Daniel-Rops (1901-1965), autor da excelente obra: Coleção da História
da Igreja de Cristo (10 volumes), perguntava: “se o destino do protestantismo
na América Latina não estará ligado ao destino das seitas”?(1). O professor César Romero Jacob,
diretor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, lançou recentemente o
e-book “Religião e Território no Brasil: 1991/2010”, da Editora da PUC,
trabalho que, ao analisar as transformações no perfil religioso da população
brasileira, com o crescimento do número de evangélicos, pode ser útil para o
entendimento do cenário eleitoral do ano que vem considerando a participação
crescente de pastores pentecostais na política. Segundo Romero Jacob, o pluralismo
religioso se consolidou no país, com a Igreja Católica perdendo 24 pontos
percentuais. O número de católicos cai de 89% da população para 65% em 30 anos.
No mesmo período, os fiéis do conjunto de Igrejas Pentecostais passam de 3% da
população, em 80, para 13% em 2010. “O Brasil deixou de ser um país de
hegemonia católica para ser um país de maioria católica”. Segundo o estudo, no Nordeste, em
Minas Gerais e no Sul do Brasil, o percentual de católicos se mantém muito
elevado, mas nas áreas de imigração para a fronteira agrícola e mineral do
Centro-Oeste e Norte e na periferia das regiões metropolitanas os pentecostais
crescem. “De um modo geral, diz Romero Jacob, nas áreas de expansão recente e,
sobretudo, num certo caos social, o pentecostalismo se implantou”. (2).
IGREJAS
EMERGENTES
O movimento da “Igreja Emergente” (dos
emergentes/dos que estão emergindo) tem pouco mais que uma década de existência
(dependendo de quando se marca seu nascimento), já se fragmentou e tomou forma
em muitas direções. Como resultado, é geralmente difícil determinar exatamente
o que está sendo falado quando o assunto está sento discutido. Recentemente, a Emergent Village [Aldeia Emergente], a organização emergente com
maior visibilidade, eliminou sua posição de coordenador nacional [nos EUA],
indicando uma “descentralização ou desintegração” do movimento, de acordo com a
revsita Christianity Today
[Cristianismo Hoje]. Contudo, em vez de desaparecer, ele parece ter se
ramificado e, de muitas maneiras, simplesmente se tornou amplamente aceito.
Assim como raramente ouvimos o termo Movimento
da Nova Era porque ele se tornou uma ideologia estabelecida que corresponde
a mais formas importantes de espiritualidade, também o movimento emergente/ que
está emergindo tem se infiltrado em círculos evangélicos e quase não é mais
reconhecido. Para dar uma ideia do que aconteceu,
vamos voltar-nos para Mark Driscoll, pastor da Mars Hill Church [Igreja do
Aerópago] em Seattle, no estado de Washington (EUA), que se descreveu como
líder de uma igreja que está emergindo. Driscoll foi um dos formuladores
originais daquilo que se tornaria emergente/ emergindo, o que faz dele uma
fonte confiável para explicar o que está ocorrendo. Da forma como ele vê, há agora quatro
expressões da igreja emergente/que está emergindo dentro do cristianismo
(outras expressões devem estar a caminho). A primeira são evangélicos que estão
emergindo, que creem na doutrina cristã básica, tal como: a Bíblia é a Palavra
de Deus e Jesus morreu pelos nossos pecados. Pastores como Dan Kimbal
representariam essa primeira ala e se apegariam pelo menos a determinadas
posições doutrinárias, como os três credos ecumênicos antigos, mas não se
aventurariam para muito além deles. Os próximos na linha seriam aqueles
que estão envolvidos com as igrejas nos lares. Estes resistem a criar igrejas
grandes e, em vez disso, formam pequenas comunidades em ambientes ainda
menores, como cafeterias, ou pela internet. Talvez George Barna, com sua
promoção da “Revolução”, seria um bom representante desse ramo. Mark Driscoll se vê e à sua igreja
como um terceiro fragmento do movimento. Ele chama seu grupo de reformadores
emergentes, que creem em todos os elementos distintivos evangélicos e abraçam
as tradições teológicas de Reforma. Os reformadores emergentes também tentam
encontrar maneiras para tornar a igreja relevante, acessível e culturalmente
conectada. Muitos desses tendem a abraçar os dons carismáticos e as profecias
modernas (isto é, eles creem que as profecias ainda estão sendo concedidas
hoje, assim como os dons de sinais). Na quarta ala está um grupo de
liberais emergentes a respeito de quem Driscoll sente que “saíram totalmente do
caminho e estão perdidos nas florestas”. Esse ramo é mais bem representado por
Brian Mclaren, Rob Bell, Tony Jones e Doug Pagitt. Eles rejeitam ou questionam
até a mais primordial das doutrinas, como a da expiação, da deidade de Cristo,
da inspiração das Escrituras e da Segunda Vinda de Cristo. Atualmente, quando
falamos sobre emergentes, é a este grupo que estamos nos referindo. É fácil ver quão fragmentada e
complicada se tornou uma discussão sobre os emergentes/os que estão emergindo.
Como acontece com a maioria dos movimentos, esse movimento mudou à medida que
amadureceu; e está se tornando cada vez mais difícil defini-lo. Muitos estão se
distanciando do rótulo emergente uma vez que ele se tornou um tanto pejorativo.
“O que todas as alas emergentes/ que estão emergindo têm em comum é o desejo de
serem relevantes na cultura pós-moderna. Alguns têm sacrificado a fé nesse
esforço; outros são mais biblicamente sadios. E cabe aos cristãos discernirem
para que possa dizer qual é qual”, escreve o Rev. Gary E. Gilley (3).
TEOLOGIA DA
PROSPERIDADE
“Gravadas e comercializadas aos
borbotões de CDs e DVDs, têm caráter essencialmente prático na vida do crente –
“vitória”, “conquista” e “colheita” são expressões recorrentes, inclusive nos
livros que publica. Além da Igreja Vitória em Cristo (ADVEC), o pastor Silas
Malafaia dirige um conglomerado empresarial que inclui a Editora Central
Gospel, a gravadora do mesmo nome e a Associação Vitória em Cristo, além do
site Verdade Gospel”. Com tamanha
projeção, Silas Malafaia é o pastor mais conhecido do país. Porém, sua
liderança é severamente questionada toda vez que ele aparece afrontando
adversários ou pedindo que as pessoas lhe deem dinheiro. “O pastor Silas fala
para agredir. Muitos têm a mesma opinião que ele, mas a maneira como as
expressa demonstra arrogância”, aponta a universitária Natália Conceição,
evangélica de Recife (PE). O desconforto que suas campanhas pela TV em busca de
doações de valores específicos, como 800, 900 ou 1 mil reais – que teriam
significados espirituais e redundariam em bênçãos materiais como retorno – têm
causado à Assembléia de Deus, denominação na qual fez sua carreira ministerial.
“Ao promover e vender abertamente a Bíblia
de estudo batalha espiritual e vitória financeira em seu programa, de forma
clara e direta o pastor Silas Malafaia se posicionou como promotor de posturas
que antes combatia”, observa. Ele acrescenta que Malafaia não é um caso
isolado. “Vários pastores assembleianos têm abraçado a teologia da
prosperidade, distanciando-se dos ensinos bíblicos sobre a verdadeira
prosperidade dos crentes, das motivações e dos meios para alcançá-la”, reclama
o teólogo Altair Germano, pastor auxiliar na Assembléia de Deus em Abreu e Lima
(PE) e vice-presidente do Conselho de Educação e Cultura da CGADB. “Relógio de ouro no pulso, avião particular,
casa na Flórida; campanhas e mais campanhas por ofertas, ‘sementes’ e
dízimos... Silas Malafaia perdeu-se em meio às riquezas deste mundo”, afirma o
taxista paulistano Antônio Fernando Gonçalves, fiel da Igreja O Brasil para
Cristo (4). A herética teologia da prosperidade é
o fundamento do neopentecostalismo, do gospel comercial, da espetacularização
dos shows evangélicos, dos crentes sem igrejas, dos pastores capitalistas, da soberba
triunfalista, da intolerância religiosa, do fundamentalismo neojudaico (a
riqueza do povo Judeu, guarda do sábado, festas judaicas, viagem para Israel e
rebatismo no rio Jordão).
CONCLUSÃO
O pentecostalismo e o
neopentecostalismo são os dois maiores movimentos causadores de cismas no
protestantismo. O primeiro dividiu as igrejas protestantes históricas e o
segundo as igrejas pentecostais e renovadas. Estão passando por uma expansão mundial
sem precedente na história do cristianismo. Na América Latina e no Continente
Africano, devido o contexto cultural o crescimento é espetacular. A maior
evasão de fiéis católicos são para esses dois movimentos. Tais movimentos alcançam os mais
profundos dos desejos humanos: curas, milagres, libertação, salvação,
felicidade, autoajuda, prosperidade e a mística do coração (emocionalismo e
carência afetiva). Os líderes desses movimentos são
ricos, com templos majestosos, artistas de mídia própria, políticos e amigos de
políticos poderosos, falsos carismáticos, empresários do mercado religioso e
ditadores implacáveis. Não há dúvida, com tantas ferramentas
a máquina das seitas tem poder de alienar, manipular e escravizar multidões e
mais multidões. Já foi dito: “E surgirão muitos falsos profetas, e enganarão a
muitos” (Mt 24, 11). O grande historiador Daniel-Rops
escreveu: “Em muitos pontos, surgem as “Igrejas Livres” (Seitas), como
expressões mais ou menos duradouras dessas tendências. No termo dessa
“desestabilização”, o velho protestantismo terá perdido alguns dos seus traços
tradicionais mais marcantes. Um dos sintomas mais impressionantes desse estado
de crise é a proliferação das seitas. O século XIX é o século sectário por
excelência, e o fenômeno vai durar até os nossos dias, numa corrente tão forte
que se há de falar em “pulular das seitas”, em ofensiva das seitas” (A Igreja
das Revoluções III, 2008, p. 270). Os Novos Movimentos Religiosos são
grandes desafios para Igreja Católica, Ortodoxa e Protestante Histórica.
Libertar as almas em toda sua plenitude do sectarismo não é tarefa fácil. Por
mais difícil que seja essa é a nossa missão. Novas modalidades de anunciar as
verdades libertadoras do Santo Evangelho de Cristo requerem em nossa
pós-modernidade. Conectar a beleza das doutrinas cristãs com a razão e as
fragilidades humanas, ou seja, sentir e responder as lamúrias do nosso povo. Disse Jesus: “Eu vos envio como
ovelhas no meio de lobos. Sede, pois, prudentes como as serpentes, mas simples
como as pombas. É o Espírito de Vosso Pai que falará em vós” (Mt 10,16 e 20).
Pe.
Inácio José do Vale Pesquisador
de Seitas Professor
de História da Igreja Instituto
de Teologia Bento XVI Sociólogo
em Ciência da Religião E-mail:
pe.inacio.jose@gmail.com
Notas: (1)
Daniel-Rops,
Henri. A Igreja das revoluções III: esses nossos irmãos, os cristãos. São
Paulo: Quadrante, 2008, p. 198. (2)
O Globo-País
30/06/2013, p. 4. (3)
Chamada da Meia-Noite,
maio de 2013, pp. 19 e 20. (4)
Cristianismo
Hoje, abril/maio de 2013, pp. 21,24 e 26.