Apologética Católica

 “O casamento gay é uma ruptura com a experiência e a realidade.”

Entrevista com Cardeal Camillo Ruini.


          "O casamento homossexual é uma 'derrota da humanidade' porque ignora a diferença e a complementaridade entre homem e mulher, fundamental do ponto de vista não só físico, mas também psicológico e antropológico. A humanidade, através dos milênios, conheceu a poligamia e a poliandria, mas não por acaso o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo é uma novidade absoluta: uma verdadeira ruptura que contrasta com a experiência e com a realidade. A homossexualidade sempre existiu; mas ninguém jamais pensou em fazer disso um matrimônio."

O Mons. Charamsa diz: "Que a Igreja entenda que a solução proposta aos fiéis gays, a abstinência da vida de amor, é desumana". O que o senhor gostaria de lhe responder?

           Eu lhe diria muito simplesmente: como padre, eu também tenho a obrigação de tal abstinência e, em mais de 60 anos, nunca me senti desumanizado, nem mesmo desprovido de uma vida de amor, que é algo muito maior do que o exercício da sexualidade.

No entanto, pareceu que o papa abriu ao diálogo quando disse "Quem sou eu para julgar um homossexual que busca a Deus?".

            Essa talvez tenha sido a palavra mais mal compreendida do Papa Francisco. Trata-se de um preceito evangélico – não julgar se não quiser ser julgado – que devemos aplicar a todos, incluindo evidentemente os homossexuais, e que nos pede para ter respeito e amor por todos. Mas o Papa Francisco se expressou clara e negativamente sobre o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo.

Existe um "lobby gay" na cúpula da Igreja? O próprio papa disse isso, mesmo que em um encontro informal.

           Ouve-se muita fofoca sobre isso. Se forem verdadeiras, é uma coisa triste, que é preciso fazer uma limpeza. Pessoalmente, porém, não tenho elementos para falar sobre lobby gay e não gostaria de caluniar pessoas inocentes.

Diga a verdade: além do respeito e também da obediência, o Papa Bergoglio deixa vocês, cardeais ligados à temporada de Wojtyla e de Ratzinger, perplexos.

           Não tenho dificuldade para reconhecer que, entre o Papa Francisco e os seus antecessores mais próximos, há diferenças, até mesmo notáveis. Eu colaborei por 20 anos com João Paulo II, depois, mais brevemente, com o Papa Bento XVI: é natural que eu compartilhe a sua sensibilidade. Mas eu gostaria de acrescentar algumas coisas.

           Os elementos de continuidade são muito maiores e importantes do que as diferenças. E, desde que eu era estudante no colégio, aprendi a ver no papa, antes, a missão de sucessor de Pedro e só depois a pessoa individual; e a aderir com o coração, além das palavras e das ações, ao papa assim entendido. Quando João XXIII sucedeu a Pio XII, as mudanças não foram menores; mas, já na época, a minha atitude foi essa.

Em Francisco, o senhor revê o Papa João XXIII?

            Em vários aspectos, sim. É preciso ser cego para não ver o enorme bem que o Papa Francisco está fazendo para a Igreja e para a difusão do Evangelho.

Francisco é um papa "de esquerda"? As diferenças não são só no estilo, o senhor não acha?

            É claro que as diferenças não são apenas de estilo. Mas não afetam a missão de princípio e o fundamento visível da unidade da fé e da comunhão de toda a Igreja. Quanto ao fato de ser de esquerda, o próprio Papa Francisco falou sobre isso várias vezes, dizendo que se trata simplesmente de fidelidade ao Evangelho, não de uma escolha ideológica. Ultimamente, ele também acrescentou, brincando, que é "um pouco esquerdinha"... se eu me lembro das palavras exatas.

Existe o risco de que o papa seja instrumentalizado no plano ideológico, como teme o cardeal Scola?

            O fato de que certas posições do papa sejam enfatizadas e que outras passem quase despercebidas é mais do que um risco: é um fato. Em vez de falar de instrumentalizações, eu falaria de esquemas aplicados às personalidades públicas; esquemas aos quais a mídia se afeiçoa e dificilmente renuncia. Isso também aconteceu comigo: sempre me colocavam no esquema.

Por exemplo?

            Sobre o casamento gay, eu tomei a posição mais aberta que se podia tomar e foi julgada como a mais fechada.

O senhor disse que se podiam reconhecer os direitos individuais.

            E agora juristas como Mirabelli dizem isso. Todos os direitos individuais podem ser reconhecidos, e muitos já foram reconhecidos.

Mas a Itália ainda não tem uma lei sobre as uniões civis. As normas que são discutidas no Parlamento remetem ao modelo alemão, não ao francês e espanhol: nada de casamento, nada de adoções. Por que um católico não poderia votar nelas?

            Justamente o modelo alemão prevê que os casais homossexuais tenham, na prática, todos os direitos do casamento, exceto o nome. E o projeto de lei em discussão no Parlamento abre uma fresta também à adoção. Sabemos muito bem, e alguns defensores da proposta dizem isto claramente, que, uma vez aprovada, logo se chegará aos casamentos entre pessoas do mesmo sexo e às adoções.

            Pessoalmente, eu compartilho o comentário do cardeal Parolin, depois do referendo na Irlanda: "O casamento homossexual é uma derrota da humanidade". Porque ignora a diferença e a complementaridade entre homem e mulher, fundamental do ponto de vista não só físico, mas também psicológico e antropológico. A humanidade, através dos milênios, conheceu a poligamia e a poliandria, mas não por acaso o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo é uma novidade absoluta: uma verdadeira ruptura que contrasta com a experiência e com a realidade. A homossexualidade sempre existiu; mas ninguém jamais pensou em fazer disso um matrimônio.

Haverá também na Itália um movimento de protesto contra as uniões civis?

            Os sinais já apareceram com a manifestação do dia 20 de junho na Piazza San Giovanni [em Roma]. A organização foi mínima, e o feedback me impressionou muito: falou-se de 300 mil pessoas. Se se seguir em frente por um certo caminho, dificilmente faltarão os protestos.

O senhor disse ao jornal Corriere della Sera que a onda libertária vai refluir, assim como refluiu a onda marxista. Como o senhor pode ter tanta certeza?

             Eu nunca disse que refluirá, mas que poderia refluir. A possibilidade e a esperança, não a certeza, de uma mudança de direção é sugerida pelo contraste entre a onda libertária e o bem da humanidade, que não é uma soma de sujeitos fechados em si mesmos, mas uma grande rede em que cada um precisa dos outros. Espanta-me que os governantes, que deveriam trazer no coração a coesão, não se dão conta de que, desse modo, terão sociedades desintegradas.

É possível readmitir à comunhão os divorciados recasados?

             Não. Os divorciados recasados não podem ser readmitidos à comunhão não por uma culpa pessoal particularmente grave deles, mas pelo estado em que objetivamente se encontram. O matrimônio anterior continua existindo de fato, porque o matrimônio sacramento é indissolúvel, como disse o Papa Francisco no voo de volta da América. Ter relações sexuais com outras pessoas seria objetivamente um adultério.

É possível pensar em exceções caso a caso?

             Eu não gosto da palavra "exceções". Parece querer dizer que, para alguns, se concede que se prescinda da norma que lhes diz respeito. Se, ao contrário, o sentido é de que cada pessoa e cada casal devem ser considerados concretamente, para ver se essa norma lhes diz respeito ou não, esse é um princípio geral que sempre deve ser levado em consideração, não só para o matrimônio, mas para todo o nosso comportamento.

Abstratamente, portanto, é possível que um divorciada recasado receba a comunhão?

             Sim, se o matrimônio é declarado nulo.

As novas disposições sobre essas questões não correm o risco de atenuar o vínculo, de introduzir uma espécie de divórcio católico?

             O risco só pode existir se as novas disposições não forem aplicadas com seriedade. É preciso melhorar acima de tudo a preparação dos juízes. Introduzir sub-repticiamente uma espécie de divórcio católico seria uma péssima hipocrisia, muito prejudicial para a Igreja e para a sua credibilidade. Mas a decisão do Papa Francisco, que muitos de nós – incluindo eu – desejávamos, não tem nada a ver com uma hipocrisia desse tipo.

Se a falta de fé de um dos esposos pode levar à declaração de nulidade, não se abrem espaços muito amplos?

             Claro. E por essa razão o Papa Bento XVI, apesar de estar convencido de que a fé é necessária para o matrimônio sacramental assim como para todo outro sacramento, foi muito prudente ao tirar consequências práticas desse princípio. O Papa Francisco também se limitou a indicar a falta de fé como uma das circunstâncias que podem permitir o processo mais breve perante o bispo, quando essa falta de fé gera a simulação do consentimento ou produz um erro decisivo quanto à vontade de se casar. Brincando, eu poderia dizer que quem foi mais longe nesse caminho fui eu, na minha contribuição para o livro dos 11 cardeais que está sendo publicado nestes dias...

Uma família de migrantes em cada paróquia: isso o convence? Ou o senhor compartilha as perplexidades do arcebispo de Bolonha?

             O cardeal Caffara evidenciou as condições sem as quais a acolhida se torna difícil e pode até ser contraproducente. Tentar implementá-las é um serviço e não um obstáculo à acolhida.

Caffara defende que é preciso acolher os migrantes "conhecidos".

             Conhecidos no sentido de identificados. Digamos a verdade: muitos até mesmo na Igreja não acolhem ninguém; muito acolhem assim, alla garibaldina [impetuosamente, sem cautelas]. Seria preciso encontrar uma via do meio.

              Cardeal italiano Camillo Ruini, ex-presidente da Conferência Episcopal Italiana, em entrevista a Aldo Cazzullo, publicada no jornal Corriere della Sera.

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