Jeanne Fretel, nascida a 27 de maio de 1914 na Bretanha,
teve uma infância sofrida: rubéola, escarlatina, difteria etc.
Em janeiro de 1938, quando tinha vinte e quatro anos, é
operada de apendicite no Hôtel-Dieu em Rennes. Depois disto, passará
dez anos no hospital, praticamente sem interrupções.
Primeiro tem que operar um quisto tuberculoso nos
ovários, depois, uma peritonite tuberculosa, logo seguida por uma fístula
estercoral.
É somente no fim da guerra que sai do hospital, porém
aparece uma erisipela, em seguida um hallux valgus bilateral, finalmente uma
osteíte do maxilar superior, que não lhe deixou mais do que três dentes na
arcada superior e seis na inferior.
A 3 de dezembro de 1946 ingressou no hospital de
Pontchaillou, em Rennes. Desta feita, diz ela, é “para morrer lá”.
Está sempre acamada e todas as noites a febre atinge os 39°
5. Tem o abdômen inchado, distendido, terrivelmente dolorido: faz-se necessária
uma aplicação diária de seis centigramas de morfina.
Apesar de um prolongado tratamento de estreptomicina, cuja
descoberta era recente, o estado de Jeanne Fretel não apresenta melhoras,
segundo o demonstra este atestado médico redigido pelo Dr. Pellé
“De agosto de 1948 a outubro de 1948, a enferma mostra-se
cada vez mais cansada: só consegue ingerir pequenas quantidades de líquido.
Surgem sinais meningíticos. Um deles é o ventre, volumoso e dolorido. Há um
escoamento abundante de pus com as fezes, bem como nos vômitos, acompanhado de
sangue negro. Os desfalecimentos cardíacos são freqüentes e colocam em perigo a
vida da paciente. Toda esperança parece estar perdida.”
Pela terceira vez em cinco anos, a 20 de setembro de 1948, a
doente recebe a extrema-unção. A temperatura oscila todos os dias entre 40° à
noite e 36° pela manhã. As aplicações de morfina são feitas de três a quatro
injeções diárias de dois centigramas cada uma: “O simples esforço para
sentar-se na cama já lhe é quase impossível”. Deixa-a extenuada.
E, no entanto, é neste estado que empreende a peregrinação a
Lourdes, no dia 4 de outubro de 1948, levando consigo o seguinte atestado do
Dr. Pellé:
“Peritonite tuberculosa. A enferma foi submetida a sete
intervenções cirúrgicas abdominais a partir de 1938. Há três anos encontra-se
em completo repouso, alimenta-se muito pouco e as dores no ventre obrigam-na a
permanecer quase que totalmente imóvel”
Ao ser levada a Lourdes, está semi-consciente, sempre
acometida por vômitos que a impedem de alimentar-se e dormir.
Na sexta-feira, 8 de outubro, levam-na muito cedo, às 7h30,
para assistir a missa dos doentes no altar de Santa Bernadette.
O padre que oficia a cerimônia, assustado e constrangido com
a presença dessa doente dominada pelas náuseas, hesita em lhe administrar a
comunhão. O maqueiro que carrega Jeanne FreteI insiste. E assim a enferma
recebe a hóstia...
“Foi então ‒ contará ela mesma mais tarde ‒ que comecei a
perceber que estava melhor e que me achava em Lourdes. Perguntaram pela minha
saúde. Respondi que me sentia outra! Meu ventre continuava duro e inchado, mas
já não padecia nenhuma dor. Deram-me uma xícara de café com leite que tomei com
apetite e prazer.
“Após a missa, levaram-me até a gruta, sempre carregada
na maca. Chegando ali, ao cabo de alguns minutos, tive a impressão que uma
pessoa me amparava sob as axilas para me ajudar a sentar. E vi-me sentada.
Virei-me a fim de ver quem me havia auxiliado, porém não vi ninguém. Tão logo
me sentei, tive a sensação de que as mesmas mãos que me tinham ajudado a sentar
seguravam as minhas para colocá-las sobre minha barriga.
“Perguntei a mim mesma o que estava me acontecendo: se
estava curada ou saindo de um sonho. Notei que meu ventre tinha voltado ao
normal. E então senti uma fome fora do comum.”
Voltou para o hospital ainda na maca. Pediu algo para comer.
O Dr. Guégan examina-a e dá-lhe autorização para alimentar-se. Faz uma refeição
frugal: um pedaço de vitela e purê de batatas com três pedaços de pão.
Mas para
ela é um banquete extraordinário: já faz dez anos que não tem uma refeição
igual.
“Quando terminei ainda tinha fome. Pedi mais uma porção. Fui
atendida e pedi mais. Então me trouxeram como sobremesa um prato de sêmola de
arroz, de receio que passasse mal.
À tarde, já recuperada, satisfeita sem estar saciada,
levanta-se, veste-se sozinha e sai para dar um passeio:
“Já fazia três anos que eu não andava e naquele instante
caminhei com a mesma desenvoltura de hoje ‒ esclarece Jeanne Fretel –. Assim
que cheguei às piscinas, tomei um banho de pé, sem me cansar.”
À noite, torna a ingerir uma refeição (sopa, pão e patê,
sobremesa) e adormece, mas desperta por volta da meia-noite, ainda atormentada
pela fome; serve-se de pão, manteiga, doces, bolo e readormece. No dia seguinte, levam-na até o Escritório das Constatações
onde cinco médicos assinam em conjunto um boletim em que declaram:
“Enorme melhora, talvez cura completa.”
Jeanne Fretel sente-se tão aliviada no trem de volta que
pede e suporta muito bem a parada brusca das injeções de morfina, sem
experimentar as perturbações graves e costumeiras de uma desintoxicação tão
violenta.
E podemos imaginar o assombro do médico assistente da
doente, o Dr. Pellé, que escreve a 13 de outubro de 1949:
“Voltamos a ver a senhorita Fretel no mesmo dia de seu
retorno de Lourdes para Rennes, onde a examinamos e observamos o
desaparecimento completo de todos os sinais patológicos. Temos acompanhado a
paciente com regularidade e constatamos que a melhora do seu estado geral
prossegue. Seu peso que era de 44 quilos no dia 5 de outubro de 1948 passou
para 58,200 quilos. Durante os oito primeiros dias, esta jovem ganha 1,350 por
dia. A temperatura é normal: 36°8 pela manhã, 37°2 à noite. O apetite e o sono
são muito bons.”
Jeanne Fretel, após o seu regresso, reencetou uma vida ativa
que prossegue sempre sem qualquer acidente patológico. Nunca mais sentiu
qualquer tipo de dor. A vida normal retomou seu curso na plenitude de uma saúde
perfeita. Todos os dias levanta-se às 5h30 e recolhe-se às 11 da noite. E, no
entanto, tem que fazer as tarefas mais cansativas da casa.
Um ano depois, a jovem compareceu diante dos vinte e oito
médicos da Junta Médica de Lourdes. Em 1950, após terem concluído se tratare de
uma “cura inexplicável”, o processo de Jeanne Fretel foi enviado à Comissão
canônica criada expressamente para examinar este caso pelo cardeal Roques,
arcebispo de Rennes. E a 8 de novembro de 1950, a Comissão canônica declarou.
“O caso da senhorita Fretel situa-se na série das curas
extraordinárias, cientificamente inexplicáveis, na presença das quais só
podemos repetir: 'O dedo de Deus se faz sentir'.
Em seguida, o cardeal Roques, na data de 20 de novembro,
publicou um “reconhecimento de milagre” assim redigido:
“Reconhecemos que a senhorita Jeanne Fretel,
acometida de peritonite tuberculosa com sinais meningíticos e em estado muito
grave de caquexia, foi curada súbita e radicalmente a 8 de outubro de 1948, no
momento em que comungava no altar de Santa Bernadette em Lourdes, e nós
julgamos e declaramos que a cura é milagrosa e deve ser atribuída à Nossa
Senhora de Lourdes.”