Apologética Católica

 Nos Bastidores do Reino

A vida secreta da Igreja Universal do Reino de Deus

Por Mario Justino

 

Minha ida para Salvador marcou o princípio da minha ascensão na Igreja Universal. Fui escalado para ficar na sede, na ladeira do Aquidabã. A igreja era um fenômeno de público. Todos os dias centenas de Fiéis lotavam o templo. Muita gente esperava a vez de entrar e, finalmente, receber nossas bênçãos. Espalhada pela ladeira, a multidão causava transtornos no trânsito e, muitas vezes, fechava as vias de acesso à
Baixa do Sapateiro e à Barroquinha.

Declaramos guerra às religiões africanas, sustentáculo da fé baiana. Guerra à Igreja Católica, nossa maior inimiga. E guerra até mesmo às igrejas protestantes, como a pentecostal Deus é Amor, que nós tachávamos de "candomblé evangélico", e a Assembléia de Deus, para nós um bando de "crentões" e "fanáticos". Nas rodinhas de pastores sempre aparecia alguém contando alguma piada de profundo mau gosto sobre as mulheres da Assembléia de Deus, que, diziam, não se depilavam e não usavam desodorante por considerarem pecado.

A Igreja Universal, onde era proibido proibir, era apresentada como o único caminho da felicidade. A verdadeira igreja de Cristo ou "o vinho novo", como gostávamos de anunciar. Jogávamos pesado nos programas de televisão. Quebrávamos imagens de santos católicos e, durante os cultos, queimávamos as roupas de candomblé e colares de miçangas levados pelos filhos-de-santo que se convertiam. O povo vibrava. Nós o fazíamos vibrar. Não é preciso repetir aqui que o povo gosta de pão e circo. Desenvolvi um estilo. Defini um discurso simples, mas poderosamente convincente para levar a mensagem da Igreja. Isso me rendeu o cargo de terceiro pastor no Aquidabã.

Acima de mim, apenas os pastores Paulo e Gonçalves. Líder e vice-líder. A promoção me conferia um status. Por exemplo, passei a conduzir reuniões com centenas de pessoas, além de apresentar programas nas rádios Cruzeiro e Excelsior e participar do Despertar da fé, na TV Itapoan. Nos fins de semana, viajava pelo interior do estado fazendo campanhas de evangelização, lotando templos por onde quer que passasse. Considerando que eu estava na Igreja há pouco mais de um ano, minha escalada era meteórica. Meus dias de dormir sobre assoalho gélido e bancos de madeira haviam chegado ao fim. Logo passei a dividir um confortável apartamento com o pastor Gonçalves e outros dois pastores. As roupas surradas que eu usava deram lugar a ternos de grife e, num piscar de olhos, me vi freqüentando restaurantes finos e
viajando de avião.

A primeira vez que voltei a São Gonçalo desde que me mudara para a Bahia foi memorável. Cheguei à Boa Vista com uma mala cheia de presentes para minha família e amigos. Naquele dia, transformei-me na sensação da rua. Velhos conhecidos e vizinhos vieram só para me ver. Do alto do meu pedestal, eu criticava a poeira e o calor daquele lugar. E exaltava as maravilhas da civilização moderna. De como era confortável viver com telefone. Assistir à televisão em um aparelho que mostrava dois canais ao mesmo tempo. E, o que é o progresso, ter na cozinha uma geladeira que não precisava abrir a porta para tirar a água.

Alguns me chamaram de ladrão, mas eu não dei ouvidos às "vozes da inveja", como diziam meus pais, orgulhosos do filho que estava na Bahia falando para multidões em rádio e televisão. "Graças a Deus", diziam eles, "nosso filho não é como Ney ou Denilton, que só dão desgosto aos pais". O sucesso da Igreja e dos programas de rádio e televisão estava baseado na fórmula infalível criada pelo bispo Macedo: a terapia espiritual. Trabalhávamos diretamente com as emoções das pessoas. Por isso muitas pessoas afirmam que quando ouvem o rádio sentem como se o pastor estivesse falando diretamente com elas. Na nossa programação comentávamos, ao som do piano de Richard Clayderman ou da flauta de Zamfir, os problemas que afligem a maioria dos humanos: desemprego, vícios, doenças, problemas conjugais e financeiros. Depois de um debate no qual discutíamos os efeitos desses problemas na vida das pessoas, apresentávamos a solução para tudo isso como uma única visita a um dos endereços da Igreja. Uma vez que a pessoa ia à igreja, ela era orientada a fazer uma corrente de doze semanas. Corrente na qual ela viria a se tornar emocionalmente presa. Os que quebravam essa corrente imediatamente passavam a ter visões e ouvir vozes.

Como Hollywood, nós sabíamos explorar o medo infantil que as pessoas têm da figura do diabo Informado do sucesso na Bahia, o bispo Macedo resolveu marcar uma concentração no maior estádio de Salvador. Ele havia acabado de lotar o Maracanã. E estava disposto a lotar todos os estádios das grandes capitais. Dois meses antes começamos a trabalhar na promoção do que seria o maior de todos os nossos desafios: lotar o estádio Fonte Nova. Queríamos mostrar aos padres, pastores, pais e mães-de-santo da Bahia que o reinado deles havia acabado. Éramos nós quem dávamos as cartas agora.

Também queríamos mostrar aos pastores da própria Universal em outros estados que nós, da Bahia, éramos os melhores. Todos os pastores do interior ficaram incumbidos de alugar um ônibus e levar o maior número de pessoas possível. Vinhetas nas rádios e nas televisões, outdoors espalhados pelo estado prometiam curas e soluções. Durante as reuniões na igreja, distribuíamos envelopes e fazíamos com que os fiéis colocassem ali o que chamávamos de "oferta de sacrifício" (algo como o salário do mês) e um pedido de oração, que o bispo levaria para Israel, a Terra Santa.

No dia da concentração, uma multidão já se aglomerava ao redor do estádio muito antes de os portões serem abertos, às nove da manhã. Quando, enfim, o Woodstock religioso começou, milhares de pessoas, pisoteando velhinhas e crianças, travaram uma disputa agressiva para obter um bom lugar para ouvir o bispo e receber dele os milagres, que era o que interessava àquela gente. Naquela época em que o termo yuppie estava em voga, o bispo Macedo, portando Rolex, Ray-ban, Mont Blanc e a sempre presente Hermès, subiu no palanque que fora especialmente armado para ele no centro do gramado. Não conseguia esconder sua alegria. O estádio da Fonte Nova estava completamente lotado. Repetia? se em Salvador o fenômeno do Maracanã, no Rio. Naquela tarde, depois de recolher os envelopes com o "sacrifício" e com os pedidos de oração, que seriam levados para o monte das Oliveiras, em Jerusalém, o bispo pediu aos seus seguidores baianos uma oferta especial para comprar uma emissora de rádio em Salvador, assim como seus fiéis cariocas o haviam contemplado com a rádio Copacabana.

- Será que. os cariocas têm mais fé que os baianos? - perguntou o bispo à multidão. - NÃO! - a resposta retumbou como um trovão. As ofertas vieram em forma de dinheiro e jóias. Passamos três dias trancados em uma sala contando os sacos de dinheiro levantados no Fonte Nova. No final, o dinheiro foi depositado na conta da Igreja,
no Bradesco, em Salvador. O ouro seria levado para o Rio de janeiro e transformado em barras. Quanto aos pedidos de oração que seriam levados para Israel - bem, eles foram queimados na praia da Boca do Rio.

Quando eu era um simples fiel, não imaginava o que se passava nos bastidores, depois que a cortina cai. Os atos de alguns pastores logo me levaram a descobrir que a Igreja Universal nada mais era do que uma empresa com fins lucrativos como qualquer outra na ciranda financeira. A única diferença era o produto vendido: sal que tira vício, lencinhos molhados no "vinho curativo" --o conhecido K-Suco--, água da Embasa, que dizíamos ter vindo do Rio Jordão, azeite Galo, que dávamos ao povo como legítimo óleo ungido proveniente de Jerusalém, e uma longa lista de outros produtos tão falsos quanto as gotas de leite extraídos dos seios da Virgem Maria, que eram vendidas na Europa, nos primeiros séculos, aos otários em busca de milagres. Como ser pastor era antes de tudo uma "vocação" e jamais uma "profissão", não tínhamos vínculo empregatício com a Igreja Universal. Nossos salários eram pagos em cash, isentos de qualquer taxa ou imposto. O valor desses salários variavam: cada caso era um caso nas leis do Reino.

Apesar de sermos estritamente proibidos de comentar nossos ganhos uns com os outros, sabíamos da injustiça salarial. Pois enquanto dirigentes de igrejinhas de periferia ganhavam salários minguados e insuficientes para sustentar a família, os pastores notáveis trocavam de carro a cada ano e passavam fins de semana em resorts acompanhados de suas belas mulheres trajando Chanel e portando bolsas Luis Vuitton.


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Mario Justino é ex-pastor da Igreja Universal do Reino de Deus e atualmente mora em Nova York. O texto acima faz parte do livro Nos Bastidores do Reino: A Vida Secreta na Igreja Universal do Reino de Deus,
publicado em 1995.

 

Informativo: A publicação foi autorizada pelo autor do ensaio original. O ensaio base original está disponível no livro Nos Bastidores do Reino: A Vida Secreta na Igreja Universal do Reino de Deus Traduções para inglês, espanhol e sugestões para correções na gramática são bem-vindas.


Fonte : http://www.str.com.br/Libertas/reino4.htm

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